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A maior perda

No dia 31 de dezembro de 2009, dez e meia da noite, Dona Edna Maria Cabral Peixoto, de 49 anos, ex-professora e sacristã da igreja matriz São Luiz de Tolosa, sobe na torre para tocar o sino e cumprir a tradição de anunciar o fim da missa e o ano que se aproximava. Chovia muito e nesse momento ela teve um leve pressentimento de que seria a última vez que ela faria aquilo. “Subi para tocar o sino, quando eu terminei de bater, a minha cabeça ficou cheia de pedacinhos do teto. Eu pensei, qualquer hora esse sino cai na cabeça da gente”.

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Igreja Matriz São Luiz de Tolosa, símbolo da cidade

Dona Edna vai para a casa e no caminho lembra de uma vez que escutou o pai e os tios comentarem que muito tempo atrás, por causa de uma forte chuva, a água chegou à escadaria da igreja. No dia seguinte, quando ela viu que a água já estava atingindo a praça, novamente começou a temer por uma desgraça. E pensou: “Meu Deus, se essa água chegar até a igreja, ela vai desmoronar”.

A igreja havia passado pela última reforma em 1930, e, segundo a sacristã, estava precisando de novas reformas. Dona Edna afirma que lá dentro era possível ouvir vários estalos na estrutura, principalmente quando ela entrava sozinha para soar o sino todos os dias antes das seis horas da manhã. Conforme os próprios sinais da edificação já profetizavam, a igreja não suportou a enchente.  Para as pessoas que tiveram toda uma vida atrelada ao templo, o que restou foram as lembranças.

 Ícone por gerações 

 A sacristã cresceu brincando dentro e fora da igreja. Das escadarias via a fanfarra passar. “Eu nasci em frente a igreja e cresci ali”, afirma. O destino de sua filha, a estudante de pedagogia Daniele Peixoto, de 23 anos, também não seria diferente. A jovem relatou ter vivido a infância e adolescência dentro da igreja: foi batizada, fez a primeira comunhão, crisma e a cerimônia do casamento.

As duas relembram seus casamentos realizados na Igreja matriz. A ex-professora conta que a igreja permaneceu a mesma todos esses anos e que na véspera do casamento, em 16 de outubro de 1982, ela mesma saiu para colher as flores para enfeitar o local. “Eu levei os copos de leite que colhi no campo para o altar, apesar de não precisar de muito luxo, porque a igreja em si era linda”. Ela lembra que o templo era conservado com muito zelo, as toalhas muito bem cuidadas e sempre a mesma pessoa se dedicava a conservar o bem mais precioso da cidade.

“Como ela era bonita, toda desenhada, cheia de anjos, santos…”

O casamento de Daniele foi o penúltimo a ser realizado na Igreja matriz. A jovem quase perdeu a oportunidade de concretizar o sonho de se casar no mesmo lugar que a mãe, porque a cerimônia estava prevista para 2010. “Era para eu ter casado este ano, mas eu comecei a me precipitar. Ainda bem que eu casei logo, do contrário não teria o meu sonho realizado”.

A visão da igreja desmoronando e o sentimento de ver o que restou é o que mais incomoda Daniele e sua mãe. Foi a pior sensação da vida delas. “Eu não sabia o que fazer, se chorava, se gritava, foi um sentimento horrível, uma dor imensa”, diz a filha. Alguns pertences da cerimônia ainda estão guardados perto dos escombros, e para Dona Edna ir até o local é muito triste. “Eu não gosto nem de olhar para lá, porque dá muita tristeza na gente”.

Esperanças

Depois da tragédia, as cerimônias passaram a se realizadas no centro da pastoral, local que Dona Edna considera como uma igreja. “O respeito que eu tinha com a Igreja matriz, eu tenho lá, eu faço as minhas orações, temos um cômodo que é a capela do santíssimo, para mim a igreja está lá”.

Sobre a reconstrução da igreja, Daniele acredita que o templo não ficará igual ao que era, o que a deixa triste, pois ela gostaria que suas duas filhas casassem na Matriz, e que o cenário fosse o mesmo. Já para Dona Edna, as mudanças virão para melhor. Segundo a devota, além de manter os altares como os originais, o novo projeto incluirá dois banheiros e duas sacristias, melhorando a infraestrutura do templo. “Todos os altares estão lá, cada altar no seu lugar, eles (os responsáveis pela reconstrução da igreja) podiam ter demolido, mas não, eles limparam tijolo por tijolo, lavaram o piso, ficou limpinho, se não ficar igual, pelo menos vão tentar deixar o mais parecido possível”.

Entre a tristeza e a esperança de ter a Igreja São Luiz de Tolosa em pé novamente, Dona Edna mantém sua fé. “Eu busco o meu conforto acreditando que Deus deixou que a água levasse (igreja), porque se acontecesse de a igreja desmoronar em cima do povo na hora da missa, seria pior. O meu consolo é que não tinha ninguém dentro, não morreu ninguém”.

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Os escombros da igreja Matriz depois da enchente.